Nos últimos dias vimos uma
matéria falando sobre a fetichização da infância onde a foto de chamada era uma
lolita. Isso trouxe à tona novamente uma discussão antiga sobre a não relação
da moda com o tópico e a indignação da comunidade com ainda sermos relacionadas
a isso mesmo que em momento algum o estilo tenha tido qualquer intenção de se
assemelhar à uma criança ou de ter algum apelo sexual. Eu não acredito que a
pessoa que escreveu a matéria tinha a intenção de associar nossa forma de se
vestir ao conteúdo de seu texto, afinal ele não citava a moda em momento
algum e, as vezes, quem faz a chamada nem é a mesma pessoa que escreve a
matéria. Acredito que a mulher nem mesmo soubesse o que é o estilo.
A escolha da imagem provavelmente
se deve a um documentário antigo que falava sobre o mesmo assunto e usava a
mesma foto como imagem de divulgação. Nesse caso, eu duvido que não soubessem
nada sobre o estilo ou a comunidade lolita, afinal nossas roupas não são tão
fáceis assim de se conseguir. Se pesquisaram o suficiente para achar uma moda
de rua com origem no outro lado do mundo, poderiam ter pesquisado o suficiente
para saber que não estamos ligadas ao tema do documentário e tentamos a anos
lutar contra essa ideia. Independente disso, mesmo não sabendo o que é moda
lolita, é questionável e contra produtivo que, ao falar sobre ofensas sexuais, escolha-se
para ilustrar o assunto uma imagem onde não há nada inerentemente sexual, mas
que, dado contexto, cria um aspecto sexualizado e infantilizado sobre a modelo,
uma mulher adulta, além de reforçar esse estigma sobre toda uma moda e seus membros.
Não é de hoje que a comunidade
lolita passa por dificuldades na hora de fazer com que o mundo entenda que não
há nada de errado em se vestir como nos vestimos. Mais do que isso, não é
incomum que participantes de outras modas alternativas passem pelas mesmas
dificuldades e, principalmente, que as mulheres dentro desse contexto tenham
sua forma de se vestir relacionada ao sexo ou a uma atividade infantil. Isso
mostra muito sobre como são vistas na nossa sociedade mulheres que não se
conformam a um padrão específico voltado ao mundo privado do lar e da modéstia
e invisibilidade ligados a esses espaços.
Quando nós, mulheres, ousamos
colocar sob nossos corpos roupas que chamem atenção, seja essa atenção de
qualquer natureza, somos tratadas como aberrações de circo e nossa aparência é
vista como um convite. Isso chega a
níveis alarmantes quando várias lolitas já tiveram que passar pela situação
humilhante e desrespeitosa de terem suas saias levantadas no meio da rua por
curiosos sem noção que “queriam ver o que deixavam elas armadas”.
Não deveria ser comum ou
socialmente aceitável tocar em pessoas desconhecidas ou levantar suas saias sem
o seu consentimento, mas felizmente isso parece óbvio para a maior parte da
população. O que não parece ser tão óbvio assim é que também é nocivo relacionar
a forma de se vestir de alguém com algo tão pesado quanto pedofilia quando em
momento algum houveram motivos para se fazer essa associação ou se sentir no
direito de indagar uma pessoa sobre sua
vida sexual sem ter intimidade para tal, como se sua roupa fosse algum tipo de
permissão, e isso vale para muito mais do que apenas moda lolita. Mesmo assim,
somos constantemente confrontadas com a “problemática” dos panos que usamos
sobre nossos corpos e nos encontramos em uma situação em que temos que nos
justificar interminavelmente, nos defendendo de um crime não cometido, assim
como outras mulheres tem que se justificar por roupas consideras curtas ou
reveladoras demais pela régua social.
Eu sei que o nome da moda é
infeliz. A comunidade já tentou mudá-lo várias vezes sem sucesso e o principal
motivo disso a origem japonesa do estilo. Já que a maioria das marcas e dos
rostos que representam a moda vem de lá, são eles que acabam ditando como as
coisas funcionam e, seja por diferença de pronuncia, pela popularidade da moda
ou pela falta de relevância do livro em sua sociedade, lá essa associação não é
feita como aqui e, portanto, o nome funciona bem para eles. Entretanto, o nome
ou o fato de qualquer coisa fofa ser vista como infantil no ocidente, não quer
dizer que qualquer um tenha direito de nos associar com sexualização da
infância.
A moda lolita nada tem a ver com
o livro Lolita de Vladmir Nabokov. Nós não nos vestimos para parecer crianças e
muito menos crianças sexualmente atraentes, o que é uma noção que nem deveria
existir. Uma das bases do que vestimos é o não apelo sexual, é nadar contra a
corrente das roupas que usam-se das convenções sociais sobre sensualidade para
criar uma estética sexy e falar “ei, eu posso ser bonita independente da minha
roupa ter como um dos objetivos exaltar atributos sexuais”. Se alguém tem algum
tipo de fetiche sobre a forma que nos vestimos e associa isso à crianças nós
não somos responsáveis por essas pessoas, o motivo pelo qual nos vestimos assim
não tem nada a ver com isso e não vamos parar de nos vestirmos assim por causa
disso. Para tornar a situação mais palpável, você não tem pés com a intenção de
atrair podólatras ou vai cortá-los fora porque eles existem.
Já está mais do que na hora de
pararmos de culpabilizar mulheres que não se encaixam em normas sociais por
crimes de terceiros e nenhuma lolita é obrigada a se justificar por vestir
rendas e babados que nunca fizeram mal a ninguém.
Em uma nota final, gostaria de agradecer a Annah Hel, dona da marca Lojinha da Annah Hel e autora do blog Satan & the Frills, pela ajuda com esse meu primeiro texto do blog, o qual estava receosa de publicar pelo tema sensível abordado.
Em uma nota final, gostaria de agradecer a Annah Hel, dona da marca Lojinha da Annah Hel e autora do blog Satan & the Frills, pela ajuda com esse meu primeiro texto do blog, o qual estava receosa de publicar pelo tema sensível abordado.
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