quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Felicidade

    Diferente do que costumo postar aqui, esse não é um texto sobre moda lolita, mas sobre uma jornada pessoal que eu precisei pensar bastante sobre compartilhar ou não, mas cheguei a conclusão de que poderia ser benéfico dividir com outros e que, talvez, pudesse servir como reflexão para mais pessoas. Pela natureza pessoal do texto não estou aberta a nenhuma forma de criticismo, mas se alguém sentir vontade de conversar sobre o que está escrito, desde que de maneira sensível, estou completamente aberta e acho que pode ser uma troca interessante. Apesar de ser um texto metafórico, pode ser um material desconfortável para quem tem sensibilidade com temas envolvendo saúde mental e ferimentos.

Felicidade

 
   
Eu via um campo a minha frente. O céu era azul, a grama verde, as flores de todas as cores do arco-íris e eu jurava que de onde eu estava podia sentir o delicioso aroma delas. Eu também ouvia o campo, ouvia pássaros cantando e pessoas rindo, as pessoas que viviam no campo eram felizes e unidas, mas eu não era uma dessas pessoas que viviam no campo que eu podia ver a minha frente, eu estava no escuro e, diferente do campo, eu não gostava de olhar para o escuro. Ele parecia vazio, frio, e solitário. O escuro me dava medo e eu não suportava sentir medo. Corri em direção ao campo com todas as minhas forças, mas não importava o quanto eu corria, o campo parecia cada vez mais longe

    “Será que o campo não me quer perto dele? Será que há algo de errado comigo?”

    E então eu o senti, o primeiro corte dolorido, bem no meio do meu peito. Porém, estava escuro, e eu não consegui ver o que tinha me cortado.

    “Oras” pensei “no campo eu não devo me machucar.”

    Decidi continuar correndo em direção ao campo, corri até me cansar e depois continuei correndo até que meus pulmões estivessem doloridos de tanto respirar o ar gelado do escuro.

    “Será que me falta a capacidade para chegar ao campo? Será que eu não mereço estar no campo?”

    E lá estava mais um corte, ainda mais profundo que o primeiro, mas eu ainda estava no escuro e não conseguia ver o que havia me cortado.

    “Quando eu chegar no campo ele vai iluminar tudo e aí eu vou poder ver o que diabos está me cortando.”

    Mas eu ainda precisava chegar ao campo. Recobrei minhas forças e corri mais uma vez em direção a ele. Mesmo que eu estivesse cansada, pingando de suor, que meus pulmões estivessem doloridos e minhas pernas com cãibras insuportáveis, eu continuei correndo.

    E o campo parecia cada vez mais longe.

    E mais insuportável do que as cãibras e até mesmo do que os cortes, era frustração de estar cada vez mais longe do campo. 

    E as pessoas que estavam no campo ainda riam

    “Será que elas riem de mim? Será que elas riem porque eu não consigo chegar ao campo?”

    Mais um corte e outro e mais outro, até que eu não conseguisse mais correr de tanta dor, até que eu caísse sobre mim mesma no chão gelado do escuro e passasse a rastejar até o campo pois, se eu parasse de ir em direção a ele, eu não seria merecedora do campo e as pessoas que riam de mim estariam certas. Mas como doía e cada vez doía mais e cada vez o campo estava mais longe. 

    Tão longe e tão dolorido. 

    Minhas forças acabaram, eu não conseguia nem mais rastejar em direção ao campo e então chorei, me acabei em lágrimas. Nesse ponto, o campo estava tão distante que eu mal o conseguia ver e cheguei a acreditar que ficaria para todo o sempre no escuro, sendo cortada, e que era isso que eu merecia pela minha incapacidade de chegar ao campo.

    Todos os cortes começaram a latejar e queimar e me corroer como se fossem ácido, todos ao mesmo tempo, eles doíam tanto que eu nem era mais capaz de olhar na direção do campo e fui forçada a olhar para o escuro.

    “Porque fez isso comigo?”

    Perguntei em vão

    “Eu não te fiz mal algum, a única coisa que tenho feito durante toda a minha vida tem sido tentar chegar no campo! Porque você me cortou?”

    Tentei novamente.

    Mas não recebi resposta e estava escuro demais para ver o que estava me cortando. Meus cortes ainda estavam abertos e o escuro era ainda mais assustador sabendo que eu poderia ser cortada novamente a qualquer momento. Fiquei paralisada, mas agora que o campo estava distante, que eu estava virada para o escuro e que a dor tinha começado a passar, eu percebi uma coisa pela qual eu tinha passado direto na minha corrida em direção ao campo. Uma coisa que eu não notei na hora pois estava correndo rápido demais.

    Era uma vela

    E eu sabia como acende-la

    Eu sempre soube

    E quando eu acendi a vela eu vi a minha volta vários cacos de vidro.

    E com esses cacos de vidro que estavam a minha volta eu fui formando o mosaico de uma paisagem única. Não era o campo, não era o escuro e também não era um lugar entre os dois, era algo além de ambos. Alguns desses cacos eram feios, outros bonitos, alguns ainda tinham o meu sangue de quando eu passei correndo por eles e os esmaguei com o meu corpo. O mosaico não estava terminado e eu não sabia se um dia estaria, mas ele não precisava estar porque era divertido monta-lo.

    O escuro ainda existia, mas ele não estava vazio e nem gelado. Mesmo que eu não soubesse tudo que estava por ali, eu ainda podia explora-lo e a minha vela me permitia ver os cacos de vidro espalhados e evitar de me cortar tão frequente ou profundamente quanto quando eu olhava apenas para o campo. Além disso, alguns cacos eram especiais, alguns tinham um brilho iridescente e suave, um brilho acolhedor. 

    Não era o brilho do campo, era diferente, mas o mais importante é que eu não precisava correr até não aguentar mais para chegar a esses cacos, eles estavam ali, como uma consequência natural de andar pelo escuro prestando a devida atenção e, com eles, eu montei um caleidoscópio que me era querido, um caleidoscópio que estava sempre comigo e, através dele, eu podia ver o escuro com outros olhos.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Uma rede social lolita




            Em uma noite de insônia, comecei a pensar no que seria uma rede social ideal para a moda lolita como tentativa de me distrair. Eu sei que temos grupos em diversas redes sociais para interagir com a comunidade, mas a maior parte deles é extremamente estagnado e nenhum deles é ideal. No Facebook, onde vejo a maior parte da interação da nossa comunidade acontecendo, nossos grupos vêm atraindo cada vez mais pessoas perigosas e nocivas para nossa comunidade. Além disso, as redes sociais possuem um algoritmo que impulsiona certos posts, podendo deixar outros que poderiam ser relevantes de lado. Quem nunca se irritou ao descobrir que o post de um amigo querido não apareceu em sua timeline? Outros problemas são a enorme quantidade de propaganda, competição entre redes rivais e, claro, o fato de que algumas lolitas tem medo de que a participação nos grupos aparecendo para conhecidos que não entendem do que se trata a moda possam ter repercussões negativas em sua vida pessoal, sobretudo no trabalho. Tendo isso em mente, comecei a pensar em algumas soluções para esses problemas e, também, em como concatenar as principais formas de interação entre a comunidade em um só lugar.


O problema da privacidade é, provavelmente, o mais desafiador. Boa parte dos grupos que se propõe a ter apenas lolitas participando para evitar a entrada de pessoas mal-intencionadas exigem que os membros provem que participam da moda enviando fotos de outfits ou respondendo perguntas complicadas, mas infelizmente isso afasta novatas que ainda não tenham um outfit ou não saibam os pormenores da moda e é um tanto quanto inconveniente. Pensei que algo possível para se resolver essa questão fossem convites, membros devem ser convidados por outros para participar. Assim, uma lolita novata pode falar com uma lolita veterana e essa veterana pode passar um convite para a novata sem nenhuma dificuldade.

 

Claro que essa solução exige que todos os membros do site tenham cuidado com os envios dos convites, afinal, essa moda atrai muita gente que apresenta riscos à segurança dos membros e esse é um dos motivos para fugir das redes sociais tradicionais. Tendo isso em mente, os membros teriam certa responsabilidade pelos seus convidados. Convidar alguém problemático para a comunidade poderia resultar em um strike ou, em casos extremos, como mandar convite pra pessoas que já mostraram comportamentos gravemente problemáticos anteriormente, até no banimento de quem a convidou. Não sei se isso seria o suficiente para nos manter seguras ou se, talvez, seja demais e deveríamos adotar uma política mais tranquila. De qualquer maneira, foi a melhor solução que consegui chegar apesar de suas falhas, eu gosto da ideia das próprias lolitas como um todo controlando a entrada na nossa comunidade ao invés de um grupo seleto de pessoas.

 

Agora, para a parte divertida, o que nós, lolitas, gostamos de fazer nas redes sociais? A primeira resposta que vem à mente é postar e ver fotos de outfits. Afinal, moda lolita é sobre roupas. Estamos aqui para vestir nossos babados e uma das melhores partes de se ter contato com uma comunidade é poder compartilhar a alegria de vestir a moda com outras pessoas que também a apreciem. Por isso, seria ideal que essa rede tivesse uma página dedicada somente aos coordinates. Para essa página, pensei em algumas funções e aspectos bacanas e possíveis como:

 

  •     Poder escolher se o outfit fica visível para todo o site ou só para amigos

 

  •     Poder escolher se vai habilitar comentários

 

  •     Função de tags que podem incluir brands, temas, sub-estilo e o nome de algumas peças

 

  •     Espaço específico para listar o rundown do coord, separado da descrição, ambos sendo opcionais

 

Por último, imagino que seria interessante se os likes só aparecessem para você e só se você quisesse. Eu sinto que infelizmente estamos cada vez mais ligadas aos números das redes sociais ao invés de curtirmos a moda por nós mesmas. Conheço muitas lolitas, eu inclusa, que as vezes caem na besteira de ficar comparando esses números com os de outras lolitas e acabam ficando tristes e frustradas. Nós, ou pelo menos a maioria de nós, não somos criadoras de conteúdo. Não há motivo nenhum para que essas métricas fiquem visíveis para todos, ainda mais com as novas exigências das redes sociais para aumento de engajamento, que estão cada vez mais distantes da realidade de uma pessoa normal, sem uma equipe por traz. Por mais que receber a aprovação de uma outra pessoa seja legal e possa fazer bem, as vezes pode ser nocivo até mesmo que essa quantificação numérica fique visível para nós mesmas e, por isso, na rede lolita ideal o usuário teria a escolha de simplesmente ocultar essa informação, até de si mesmo. Para completar essa ideia de ir contra a corrente de métricas de redes sociais, os coords deveriam aparecer em ordem cronológica, sem distinção de quantidade de likes ou comentários.

 


Tendo em conta que nem só de foto de outfits vive uma lolita, poderíamos ter uma página destinada a perguntas e ajuda onde qualquer um poderia tirar suas dúvidas e pedir conselhos de lolitas com mais experiência. Nessa página também poderia haver um documento editável com perguntas frequentes, lista de lojas e shopping services confiáveis e um compilado de posts de outras mídias dedicados a novatos na moda e a ajuda com lolita no geral. Também seriam interessantes uma página específica para autopromoção onde os membros pudessem divulgar o conteúdo relacionado a moda criados por eles e postados em outros sites, outra página para updates de brands e Indie brands e, mais uma, para discussões gerais sobre lolita como novas tendências, releases favoritos, novas mídias relacionadas ao estilo, notícias sobre bandas ou personalidades de alguma forma ligadas à lolita além de um chat para que as lolitas pudessem jogar conversa fora sobre assuntos diversos. Mais uma função que acredito ser imprescindível seria a de poder listar suas outras redes sociais no seu perfil e ter uma aba para o seu guarda-roupa nele, além de poder deixar esse perfil visível para o site inteiro ou apenas para amigos.

Bem, isso cumpriria grande parte das funções dos grupos de Facebook, mas recriar as funções das redes sociais que já usamos com alguns poucos upgrades não me parece o suficiente para justificar a criação de toda uma rede social nova e é pouco demais para exigir de uma rede social dita como ideal. Por isso eu pensei em mais uma página e essa é especial para as lolitas saudosas, uma página “diário” onde as lolitas poderiam escrever posts no melhor estilo blogger, como esse que eu estou fazendo aqui. Um lugar onde esses posts ficariam disponíveis para a comunidade inteira de maneira prática e em ordem cronológica, sem nenhum truque de algoritmo a ser desvendado. As lolitas poderiam pesquisar por posts contendo tags específicas e seguir os “diários” de suas lolitas favoritas, escolhendo até se querem ou não receber notificação a cada novo post dessas lolitas. Além de que, claro, quem quiser pode mudar o layout dos próprios posts seja com uma ferramenta do site ou mexendo direto na html caso seja a preferência, com a opção de deixar as letras em diversas cores neon se achar uma boa ideia.



Eu ainda não estava presente na moda na era de ouro dos blogs e dos fóruns que tantas lolitas parecem sentir falta, portanto, sei que meu ideal difere do de muitas outras e não só por esse motivo, como por outras questões, mas isso são apenas devaneios que provavelmente nunca sairiam do papel. Seria difícil arranjar pessoas dispostas a ter o trabalho de desenvolver, moderar e fazer a manutenção disso além da dificuldade de uma comunidade tão grande migrar de plataforma, ainda mais sendo necessário um convite para isso, mas eu definitivamente não sou a única incomodada com a forma que as redes sociais tradicionais tem afetado nossa comunidade e a maneira que lidamos com a moda. Gosto de sonhar que um dia poderíamos ter um espaço melhor, dedicado somente a esse hobbie tão maravilhoso que é lolita.