Diferente do que costumo postar aqui, esse não é um texto sobre moda lolita, mas sobre uma jornada pessoal que eu precisei pensar bastante sobre compartilhar ou não, mas cheguei a conclusão de que poderia ser benéfico dividir com outros e que, talvez, pudesse servir como reflexão para mais pessoas. Pela natureza pessoal do texto não estou aberta a nenhuma forma de criticismo, mas se alguém sentir vontade de conversar sobre o que está escrito, desde que de maneira sensível, estou completamente aberta e acho que pode ser uma troca interessante. Apesar de ser um texto metafórico, pode ser um material desconfortável para quem tem sensibilidade com temas envolvendo saúde mental e ferimentos.
Felicidade
Eu via um campo a minha frente. O céu era azul, a grama verde, as flores de todas as cores do arco-íris e eu jurava que de onde eu estava podia sentir o delicioso aroma delas. Eu também ouvia o campo, ouvia pássaros cantando e pessoas rindo, as pessoas que viviam no campo eram felizes e unidas, mas eu não era uma dessas pessoas que viviam no campo que eu podia ver a minha frente, eu estava no escuro e, diferente do campo, eu não gostava de olhar para o escuro. Ele parecia vazio, frio, e solitário. O escuro me dava medo e eu não suportava sentir medo. Corri em direção ao campo com todas as minhas forças, mas não importava o quanto eu corria, o campo parecia cada vez mais longe
“Será que o campo não me quer perto dele? Será que há algo de errado comigo?”
E então eu o senti, o primeiro corte dolorido, bem no meio do meu peito. Porém, estava escuro, e eu não consegui ver o que tinha me cortado.
“Oras” pensei “no campo eu não devo me machucar.”
Decidi continuar correndo em direção ao campo, corri até me cansar e depois continuei correndo até que meus pulmões estivessem doloridos de tanto respirar o ar gelado do escuro.
“Será que me falta a capacidade para chegar ao campo? Será que eu não mereço estar no campo?”
E lá estava mais um corte, ainda mais profundo que o primeiro, mas eu ainda estava no escuro e não conseguia ver o que havia me cortado.
“Quando eu chegar no campo ele vai iluminar tudo e aí eu vou poder ver o que diabos está me cortando.”
Mas eu ainda precisava chegar ao campo. Recobrei minhas forças e corri mais uma vez em direção a ele. Mesmo que eu estivesse cansada, pingando de suor, que meus pulmões estivessem doloridos e minhas pernas com cãibras insuportáveis, eu continuei correndo.
E o campo parecia cada vez mais longe.
E mais insuportável do que as cãibras e até mesmo do que os cortes, era frustração de estar cada vez mais longe do campo.
E as pessoas que estavam no campo ainda riam
“Será que elas riem de mim? Será que elas riem porque eu não consigo chegar ao campo?”
Mais um corte e outro e mais outro, até que eu não conseguisse mais correr de tanta dor, até que eu caísse sobre mim mesma no chão gelado do escuro e passasse a rastejar até o campo pois, se eu parasse de ir em direção a ele, eu não seria merecedora do campo e as pessoas que riam de mim estariam certas. Mas como doía e cada vez doía mais e cada vez o campo estava mais longe.
Tão longe e tão dolorido.
Minhas forças acabaram, eu não conseguia nem mais rastejar em direção ao campo e então chorei, me acabei em lágrimas. Nesse ponto, o campo estava tão distante que eu mal o conseguia ver e cheguei a acreditar que ficaria para todo o sempre no escuro, sendo cortada, e que era isso que eu merecia pela minha incapacidade de chegar ao campo.
Todos os cortes começaram a latejar e queimar e me corroer como se fossem ácido, todos ao mesmo tempo, eles doíam tanto que eu nem era mais capaz de olhar na direção do campo e fui forçada a olhar para o escuro.
“Porque fez isso comigo?”
Perguntei em vão
“Eu não te fiz mal algum, a única coisa que tenho feito durante toda a minha vida tem sido tentar chegar no campo! Porque você me cortou?”
Tentei novamente.
Mas não recebi resposta e estava escuro demais para ver o que estava me cortando. Meus cortes ainda estavam abertos e o escuro era ainda mais assustador sabendo que eu poderia ser cortada novamente a qualquer momento. Fiquei paralisada, mas agora que o campo estava distante, que eu estava virada para o escuro e que a dor tinha começado a passar, eu percebi uma coisa pela qual eu tinha passado direto na minha corrida em direção ao campo. Uma coisa que eu não notei na hora pois estava correndo rápido demais.
Era uma vela
E eu sabia como acende-la
Eu sempre soube
E quando eu acendi a vela eu vi a minha volta vários cacos de vidro.
E com esses cacos de vidro que estavam a minha volta eu fui formando o mosaico de uma paisagem única. Não era o campo, não era o escuro e também não era um lugar entre os dois, era algo além de ambos. Alguns desses cacos eram feios, outros bonitos, alguns ainda tinham o meu sangue de quando eu passei correndo por eles e os esmaguei com o meu corpo. O mosaico não estava terminado e eu não sabia se um dia estaria, mas ele não precisava estar porque era divertido monta-lo.
O escuro ainda existia, mas ele não estava vazio e nem gelado. Mesmo que eu não soubesse tudo que estava por ali, eu ainda podia explora-lo e a minha vela me permitia ver os cacos de vidro espalhados e evitar de me cortar tão frequente ou profundamente quanto quando eu olhava apenas para o campo. Além disso, alguns cacos eram especiais, alguns tinham um brilho iridescente e suave, um brilho acolhedor.
Não era o brilho do campo, era diferente, mas o mais importante é que eu não precisava correr até não aguentar mais para chegar a esses cacos, eles estavam ali, como uma consequência natural de andar pelo escuro prestando a devida atenção e, com eles, eu montei um caleidoscópio que me era querido, um caleidoscópio que estava sempre comigo e, através dele, eu podia ver o escuro com outros olhos.